O ALEMÃO SEBASTIAN REICHE, ESPECIALISTA EM MULTICULTURALISMO E PROFESSOR
DA ESCOLA ESPANHOLA DE NEGÓCIOS IESE, EXPLICA POR QUE SE DEVEM EVITAR
GENERALIZAÇÕES AO CONVIVER COM PROFISSIONAIS ESTRANGEIROS

O
profissional local também está tendo experiências no exterior, principalmente
graças à expansão das múltis brasileiras, como Gerdau, Stefanini e JBS, que
pretendem crescer nos países em que já atuam e abrir novos mercados, conforme
aponta o ranking da transnacionais brasileiras, da Fundação Dom Cabral, de
Minas Gerais.
Esses
movimentos têm em comum uma multiplicação das interações entre profissionais
brasileiros e estrangeiros. Nesses contatos, o fator cultural é fundamental
para estabelecer relações eficientes. “Mal-entendidos acontecem até mesmo entre
pessoas da mesma cultura e que falam a mesma língua”, diz o alemão Sebastian
Reiche, especialista em multiculturalismo nas empresas e professor da escola
espanhola de negócios IESE, que tem
filial em São Paulo.
“Se
nós adicionarmos culturas diferentes, tudo fica mais complexo.” Sebastian
esteve no Brasil em setembro e deu entrevista à VOCÊ S/A.
Por que as diferenças culturais se tornaram tão
importantes no ambiente de trabalho?
Sebastian
Reiche - Um problema de falta de compreensão ou uma interpretação errada podem
causar grandes transtornos. Mal-entendidos acontecem até entre pessoas que
falam a mesma língua e pertencem ao mesmo grupo social. Se adicionarmos
diferenças culturais, tudo fica mais complexo.
O
grande problema é que temos uma tendência a estereotipar as pessoas. São tantas
as informações que, na tentativa de encontrar um modo mais fácil de
compreendê-las, usamos o recurso de categorizar as coisas por meio de padrões
que dominamos. Mas, quando lidamos com indivíduos de grupos culturais
diferentes, algo comum no trabalho globalizado, não podemos confiar em nossos
estereótipos.
Por que os estereótipos são perigosos?
Sebastian
Reiche - Porque a tendência, quando não compreendemos o comportamento de um
estrangeiro, é estereotipar de maneira negativa. É preciso sensibilidade no
julgamento. Um bom jeito de ilustrar isso são os diferentes jeitos de dizer
“não”. Sabemos que em algumas culturas não se diz “não” diretamente. A pessoa
pode falar para você “vai ser bastante difícil, mas eu vou tentar”, querendo
dizer um “não” mais cordial. Mas, se for interpretado ao pé da letra, será
entendido erroneamente.
Quais riscos o profissional corre?
Sebastian
Reiche - O problema da generalização é difícil de ser quantificado. Mas não é
absurdo supor que um problema de compreensão durante uma reunião pode
comprometer o resultado financeiro de uma empresa, embora seja algo difícil de
ser medido. Aliás, é justamente por se focar em coisas mensuráveis que as
empresas deixam de cuidar de coisas intangíveis, como cruzamento de culturas e
relacionamento social entre funcionários.
Sebastian
Reiche - O papel da confiança muda de acordo com o país. Em algumas culturas as
pessoas são mais coletivistas, com uma relação mais voltada para os
relacionamentos. Nessas, a confiança é mais importante na hora de tomar
decisões profissionais. Já foi comprovada cientificamente a tendência de se
confiar mais em conterrâneos. O que pode não favorecer transações
internacionais, pois quanto mais distante o outro está menos confiamos. Uma
relação estável com pessoas de países distantes demora mais para ser
construída.
Dá para diminuir essa distância?
Sebastian
Reiche - Primeiramente, temos de entender que as pessoas se comportam de
maneira diferente em lugares diferentes. Esse é o primeiro passo para
compreendermos e, assim, confiarmos em um parceiro de negócios. A tentativa de
adaptação em um lugar culturalmente diferente é muito importante. Acenar que
está disposto a se encaixar demonstra uma dose de respeito e comprometimento
que tende a ser bastante valorizada.
Como construir essa relação de confiança?
Sebastian
Reiche - Construir uma relação de confiança obriga o profissional a se expor e
a se deixar vulnerável. Diria que é uma atitude de humildade moderada. É
preciso atenção. Ao se colocar nesta posição, as pessoas podem querer se
aproveitar e exigir além da conta. Isso acarretaria a degradação da confiança. Outra
coisa necessária é ponderar até onde ir nessa adaptação à cultura alheia.
Deve-se mostrar respeito, porém, sem passar por cima de preferências pessoais.
Você pode nunca se sentir confortável em uma cultura diferente e tudo bem. Tem
de entender quais são as diferenças e por que elas existem, principalmente para
evitar que estereótipos negativos sejam atribuídos a você.
O senhor cunhou o termo inglês inpatriate para
designar o profissional que serve como intérprete entre a sede e a subsidiária.
Por que ele é importante?
Sebastian
Reiche - Esses profissionais são agentes transmissores de conhecimento. Por
meio deles, as multinacionais aprendem sobre um país onde operam. Eles
compartilham com a matriz seu conhecimento local — por exemplo, como é lidar
com fornecedores, como é a receptividade do mercado e quais são as
peculiaridades daquele país. Eles também fazem o caminho inverso, levando a
cultura deles com a da corporação. E, quando retornam ao país natal, podem
ajudar colegas que nunca estiveram na sede. Eles vão conhecer os dois contextos
e, assim, virá uma ponte entre as duas unidades, entre as duas culturas.
O senhor consegue identificar algum comportamento
específico dos brasileiros?
Sebastian
Reiche - O Brasil é um país afetivo, as pessoas demonstram emoções nas relações
interpessoais até mesmo no ambiente de trabalho. Bem diferente de países
asiáticos, dos alemães e dos ingleses, só para citar exemplos que são mais
neutros afetivamente. O brasileiro culturalmente também é mais coletivista,
convive mais em grupo. É menos focado na conquista de um único indivíduo e
percebe mais a realização da equipe.
Há estereótipos negativos famosos, como
impontualidade e excesso de hierarquia?
Sebastian
Reiche - Os estereótipos vão dizer que nos países latinos todos se atrasam e
por isso são menos eficientes, mas não é verdade. Trata-se de um problema de
percepção de tempo, o que é diferente de falta de pontualidade. Os brasileiros
fazem coisas simultaneamente. Em países como Estados Unidos e Alemanha, é mais
comum organizar atividades sequencialmente: primeiro uma, depois outra, cada
uma delimitada por um prazo.
Essa
é uma diferença cultural de preferência para gerir o tempo. Para pessoas
multitarefas, a percepção de tempo não é tão rígida, é mais fluida. Outra coisa
é a importância dada ao status. Em culturas igualitárias europeias não se
distingue o presidente de uma empresa pelo seu carro, por exemplo. Na América
Latina, as hierarquias são bastante importantes, assim com a origem, a idade e
a experiência dos profissionais.
É mais difícil trabalhar com os brasileiros?
Sebastian
Reiche - O estrangeiro que vier trabalhar no Brasil terá de se adaptar porque
esses exemplos são estereótipos, que normalmente estão agregados a valores
negativos. Mas é falta de compreensão. Um executivo que vier de um país
culturalmente igualitário vai esperar em uma reunião com a equipe que todos
participem das decisões, que elas sejam tomadas em consenso.
Se
tentar fazer isso no contexto brasileiro vai ser muito frustrante. Aqui se
espera que o chefe mostre autoridade e tome a decisão. É o tipo de
característica que vai exigir adaptação de quem vier para cá. Por outro lado,
um brasileiro que quiser impressionar positivamente deve considerar expor suas
opiniões. Os brasileiros têm uma vantagem, mas nem todos a enxergam, que é o
fato da cultura local já ser heterogênea, uma mistura de várias heranças
culturais.
Como percebemos nossa própria cultura?

Essa
é uma das justificativas da importância da experiência internacional. Buscar
momentos em que pensamos conscientemente e nos expomos a uma cultura diferente
é o melhor jeito de aprender como se portar. Sei que nem todos podem viajar
para o exterior, mas é a forma mais eficiente de compreender essa diversidade
cultural. As empresas estão buscando profissionais com uma visão mais
globalizada do mundo, que nada mais é do que uma fácil adaptação e convívio com
as diferenças culturais.